segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Auto-Boicote

Dentro da sua cabeça ela gritava desesperada. Gritava tão alto que não conseguia nem ouvir os outros pensamentos que pediam calma por detrás dos gritos.


A sua frente, o pequeno bloco de folhas sentado calmamente sobre a mesa. 

Prova de final de ano. 
'A' prova de final de ano. 
A última prova que ela faria como estudante do último ano do Ensino Médio. 


Tantas coisas dependiam dessa prova... Sua faculdade, sua profissão, sua marca definitiva no mundo, seu futuro marido, seus filhos, sua casa com a charmosa cerquinha branca, seu primeiro carro simplesinho, seu segundo carro já mais caro, sua viagem para Amsterdam para comemorar os 30 anos em alta porraloquice... quem sabe até um Nobel da Paz! Tudo em cima daquela mesa.


'Ahhh, por que?! Por que agora?!' Ela se perguntava.

O que ela mais temia havia finalmente acontecido. Todos aqueles anos nunca acontecera, mas agora lá estava ele. O temido branco. Um grande e gordo branco preenchendo cada canto de sua mente, fazendo com que a matéria mais ou menos aprendida fugisse correndo para seu subconsciente, onde ela não poderia encontrá-la.

'Por que não fiz aquela cola?! Por que não estudei mais?! Por que?!'

Se você olhasse para ela sentada naquela cadeira, poderia vê-los. Os gritos mentais de auto-cobrança, os gritos que ela sabia que ia ouvir de seus pais quando falhasse, o grito de decepção quando sua melhor amiga soubesse que não iriam para a faculdade juntas, o grito mental que ela daria quando nada mais restasse, a não ser aceitar aquele emprego que ela odiaria até o final de seus dias, quando finalmente morresse de desgosto, sem familia, sem carreira, sem viagens, sem carros, sem amigos, sem prêmio Nobel... nada.  

Na-da.


Suando frio e com um pequeno vulcão de formando bem no meio do seu estômago, ela levantou a mão e chamou a professora.

'Não estou me sentindo bem, posso ir ao banh...?!'

Antes que pudesse terminar, ela sentiu aquele calor sólido subindo pelo seu peito, rasgando  bruscamente seu pescoço, e com lágrimas saindo pelos olhos ela vomitou todo seu almoço, junto com o seu nervoso, no colo da professora que gritou 'Ai que nojo! Odeio feijão com arroz!'

Ela respirou fundo e limpou delicadamente os lábios. 
Percebeu então que os gritos haviam parado e imediatamente se sentiu muito melhor.


sexta-feira, 27 de maio de 2011

A História de um Jovem Morango

O Jovem Morango acordou, empurrando docemente seu irmão que dormia para poder se levantar.
- Será hoje o dia?! - pensou, olhando para suas pequenas sementes pretas distribuidas ao longo do corpo.
- Nunca poderão se tornar novos morangos, coitadinhas - disse o Sr. Morango, pai de todos, rindo ao ler os pensamentos do Jovem Morango.
- Sr. Morango, não quero ser comido!
- Ah meu Jovem, faz parte do ciclo da vida. Eles nos comem para poderem viver e depois eles morrem para poder alimentar os vermes que habitam esse mundo... faz parte!
- Mas não é justo, não quero morrer, ainda há tanto para se viver, tanto para se ver!
- Pare de choramingar meu Jovem Morango, melhor ser comido ainda na flor da idade como você do que ser colhido depois do tempo e ficar como eu, meio mole e soltando essa água nojenta. Sabe como essa minha incontinência é constrangedora?!

Nessa hora, o pequeno terremoto já conhecido! Estavam abrindo a geladeira. Todos os morangos ficaram alertas, seriam eles os escolhidos?!
Sim, eram eles. O tupperware foi bruscamente colocado na pia, do lado de uma garrafa de vodka. 
- Oh não! - exclamaram em coro! O pior dos destinos nos aguarda!
Foi a última coisa coerente que se ouviu, depois disso apenas gritos alucinantes e choros de Morangos Mulheres e Morangos Bebes sendo amassados com uma dose considerável de açúcar e vodka em 2 copos grandes.
Paralizado de medo dentro do tupperware, o Jovem Morango viu o Sr. Morango ser agarrado e jogado no copo. Ele estava sorrindo! Velho maluco... - o Jovem Morango pensou. Olhando aquela cena, um pensamento arrebatador o invadiu... o Sr. Morango estava em paz, serviria seu propósito na vida. 

Com a coragem desse pensamento, agora transformado em sentimento, o Jovem Morango deu um passo a frente. Quase que imediatamente foi erguido no ar, e observado bem de pertinho por grandes olhos castanhos...
- O que foi que eu fiz? Ele pensou. Talvez por ser tão bonito e vermelho, tivesse um destino diferente dos seus irmãos, quem sabe até uma última viagem...
Sua última lembrança foram aqueles dentes enormes se aproximando de sua pele e rasgando seu corpo macio. 
Seu desejo havia sido atendido.