quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Desprevenida

Fui pega desprevenida agora pouco por uma historia que derreteu meu coração. Não dessas histórias de internet, que muitas vezes também me tiram lagrimas dos olhos, como aquela dos cães libertados depois de 10 anos servindo de cobaia num laboratório, mas uma história muito minha, da minha família.

E o quanto isso bate fundo e quanto eu me arrependo de um dia ter sido uma adolescente idiota, sem saber valorizar meus avós e dar o carinho que eles mereciam. Não tem problema nenhum em ser uma adolescente idiota, a maioria de nós quando adolescente é meio idiota mesmo, até ai normal. Mas infelizmente a vida não espera a gente amadurecer pra 'dar tempo' de aproveitar e valorizar o que a gente tem, o que faz parte da nossa historia, o que faz parte de nós.

Que sorte eu tenho de ter nascido numa família cheia de peculiaridades, de pessoas com personalidade forte, pais, avós, irmão, primos, tios, tias, enfim... Já chegaram até a chamar minha família de 'familia Doriana', seja la o que isso signifique!

Mas o que me fez refletir hoje de verdade foi a minha 'ficha cair' do quanto é importante ter alguém com quem contar. E que sorte eu tenho por ter uma segunda mãe que poucos conhecem, a Sonia. A Sonia é uma pessoa fundamental na minha vida, é ela quem cuida da minha casa, das minhas roupas, dos meus gatos, do meu marido e de mim também. E hoje mesmo ela me lembrou da minha 'previsão futuristica' quando disse pra ela aos 14, 15 anos que um dia eu iria ter a minha própria casa e ela iria trabalhar comigo. É, talvez os adolescentes não sejam assim tão idiotas afinal...



A Sonia começou a trabalhar com os meus pais desde que eu tinha uns 13 anos. Nessa época meu avô Mario tinha acabado de falecer e minha avó veio morar com a gente. E a Sonia veio justamente pra cuidar da minha avó Linda, além de cuidar da casa, de mim e do meu irmão. Mas quem ela cuidava mesmo era da minha avó. E que paixão eram essas duas.

Enquanto eu na minha vida louca de amores não correspondidos estudava pro colégio, tocava bateria e ia ensaiar em qualquer fim de mundo que me chamassem, me preocupando com coisas que não me lembro mais, elas duas seguiam com aquela rotina macia da terceira idade com os cuidados sempre carinhosos da Sonia. Ela cortava o cabelo da minha avó, fazia a unha, sombrancelha, dava banho, passava perfume, elas cantavam 'Maracangalha', davam bronca uma na outra, riam juntas das barbaridades na TV, enfim... amigas.

E depois quando minha avó ficou mais dodói sem poder sair da cama, ela continuou cuidando, revezando com uma enfermeira que ficava a noite, sempre tomando conta e amando de um jeito que as vezes nem os próprios familiares fazem.

Então em um 31 de outubro a caminho do trabalho, o ônibus quebrou e a Sonia chegou atrasada. Chegando lá a enfermeira estava esperando na cozinha dizendo que a minha avô Linda estava chamando por ela, dizendo que queria dizer uma coisa impotante e que a enfermeira devia esperar olhando a porta pra dizer pra Sonia que fosse falar com ela no minuto que chegasse lá.

Quando a Sonia entrou no quarto para falar com ela, o espírito da minha avó Linda já tinha ido, e lá sobrara apenas o corpo.

Nesse momento de dor da familia e principalmente da minha mãe que se revoltou com ela ter morrido assim tão de repente, a Sonia lidou com a tristeza dela arrumando a minha avó e 'deixando ela bem bonitinha' para o enterro. Daí hoje ela me disse que nessa hora falou pra minha avó 'É minha lindinha, agora nós vamos pra Maracangalha mesmo'.



Diz se não é pra ficar com o coração mole uma historia dessas. Quando ela me contou essa última parte da historia (nunca aguentei ficar sem chorar até ali), eu dei um abração nela e fugi pro quarto porque não achei justo chorar na frente dela que tinha feito tanto pela minha avó. Por um momento me senti de novo aquela adolescente idiota que se achava tão importante mas tão importante que não tinha tempo pra entrar no quarto da avó e papear com ela sobre qualquer coisa que fosse. A So me disse que eu falei isso pra ela logo que minha avó faleceu, mas eu não me lembro. Infelizmente tem coisa que a gente aprende da maneira mais dificil, né?

Depois disso ela ainda cuidou por muitos anos dos meus avós Paulo e Lucia com o mesmo carinho e amor que tinha cuidando da minha avó Linda, mas isso é papo pra outro texto senão nunca mais vou parar de chorar aqui...

Enfim!!!!



A 'moral' da história é realmente refletir sobre como eu sou sortuda por ter essa mulher forte, carinhosa e batalhadora na minha vida desde a adolescência. Quantas pessoas que são até sangue do nosso sangue mesmo que podemos confiar assim? É uma entrega tão grande que eu não sei como cabe tanto amor dentro de uma mulher tão pequenininha!

Pense você agora, quantas pessoas você tem na sua vida que você pode contar 100% dessa maneira?! Dificil né?!


A parte boa é saber que segunda-feira ela vai estar aqui pra cuidar de mim, do meu marido, dos meus gatos e saber que eu posso cuidar um pouquinho dela também. E ter a certeza que em breve ela vai, de novo, me fazer a pergunta que dá origem a tantas lembranças... 'O que será que sua avó Linda queria tanto falar comigo aquele dia, né?! Eu fico pensando...'

sábado, 26 de novembro de 2011

Vida de gata

Misty chegou em casa exausta.

Seu trabalho na fábrica de ração estava cada vez mais cansativo.

Não era fácil ser executiva e ainda fazer mercado, pagar a faxineira, cuidar da saúde, da beleza e ainda arranjar um tempinho para brincar com seus ratinhos. Encontrar os amigatos para uma miada em cima dos muros da cidade então fazia meses que não fazia.

Jogou a bolsa de lado, tirou seus sapatos de salto alto vermelhos, encheu um grande copo de leite suspirando de cansaço. Comeu sua ração especial para firmar a pele e dar mais brilho aos seus pelos de simesa, enquanto refletia sobre assuntos do trabalho. Sua mente não parava.

Já na cama, decidiu tomar um longo banho lambendo bem todos os pelos até ficarem bem alinhados e refrescados. Nada substituia o frescor de sua própria lingua acariciando os pelos, nem aquela colônica francesa que trouxera da Europa.

Afofando sua cama de cetim, para aquela que seria sua única e insuficiente soneca do dia pensou:

- Maldita liberação das gatas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Independence Day

Chegara extremamente cansada das compras naquele feriado. Tudo estava lotado e não aguentava mais seu marido falando sem parar sobre o preço das coisas e tirando escondido as coisas que ela botava no carrinho.

Para relaxar tirou a Abolsut do congelador e decidiu fazer uma caipirinha de morango, assim relaxava e abria espaço na geladeira ao mesmo tempo. Pratica e prazerosa, esse era seu estilo. Seu marido, dizendo que ela estava bebendo demais, foi preparar o strogonoff da mamãe que ele tanto se orgulhava.

-Pois que faça sozinho esse strogonoff gordo... Ela pensou enquanto se dirigia a sala com a caipirinha forte como o diabo.

No canto da sala la estava ela, mau humorada como sempre, a gata.

- É, eu sei como você se sente. Esses machos querendo nos dominar toda hora, que saco. - disse se referindo ao outro gato da casa, um machinho adolescente que pulava por cima de sua cabeça qualquer voltinha mais ousada que arriscava dar.

- É, essa não era mais uma casa de mulheres, concordou a gata.

A mulher ja mais relaxada, bebeu quase tudo de um gole e fez careta. Olhando pra gata, se identificou. Foi até ela, fez carinho, e quando seus olhos se cruzaram, algo magico aconteceu.

Suas almas se ligaram instantaneamente. A personalidade da gata como era mais forte, se tornou predominante.

As duas olharam a casa de maneira diferente. Decidiram acabar com aquela machisse toda. Cada uma se armou como pode, ela com o copo e o canudinho, a gata com as unhas afiadas.

Ambas entraram na cozinha onde o marido cozinhava com o avental de 'Aqui tem Churrasqueiro' e o gato adolescente miava a sua volta querendo um se informar imediatamente de qualquer coisa que estivesse acontecendo na pia.

-Amo-or! - ambas disseram.

E atacaram, cada uma o seu respectivo macho. Mataram, estraçalharam. Sangue por todos os lados, escorrendo na parede, um pedaço de orelha no molho do strogonoff.

Quando acabou, ambas se olharam em extase. 

Cansadas, voltaram para a sala, ligaram a TV no GNT e se ajeitando gostosamente como donas de suas vidas, assistiram o que estivesse passando.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A História do Seu Tomás

-... e por que afinal você já tem 17 anos e precisa logo arrumar um emprego, porque eu já não aguento mais você andando pra lá e pra cá dentro de casa, ainda mais nesse período de férias, fica me cansando toda, não faz nada, não ajuda, não põe dinheiro dentro de casa e também não põe a mão em louça, nem na cama...

Essa era sua mãe. Falava sem parar, independente se você ouvia ou não. Ela já estava acostumada com esse falatório todo e de vez em quando levantava os olhos do seu exemplar de Areias do Tempo de Sidney Sheldon e soltava um 'hum hum' só pra que sua mãe notasse que ela ainda estava lá. 

Nem se preocupava com essa coisa de arrumar emprego, pois o que queria mesmo era entrar na faculdade. Biblioteconomia era sua meta. Poucos candidatos por vaga, um trabalho sem grandes estresses, podia ler o tanto de livros que quisesse... parecia combinar perfeitamente com sua personalidade.
TRIM TRIM. Sua mãe ainda falando correu ao telefone para atender. Mudou de assunto e continuou falando o mesmo tanto com a pessoa do outro lado. Ela sempre se perguntava como sua mãe não engasgava com tantas palavras. 

- Hmm, hmm. É mesmo? Tá precisando? Ahh, pode falar que a Joana vai. Vai, vai sim, tá aqui de férias sem fazer nada, pode falar pro seu Tomás que ela vai sim. Tá bom, um abraço ai pra você e sua família. Tchau.

- Joana larga esse livro que você vai lá no seu Tomás fazer um servicinho pra ele. 
- Mas mãe, to estudando...
- Já estudou demais, tá na hora de trabalhar um pouquinho.
- Mas mãe, o seu Tomás deve ter uns 200 anos e parece uma múmia, tenho medo dele.
- Não interessa, dinheiro é dinheiro e a gente tá precisando. 
- Mas mãe é pra fazer o que?
- Arre menina, tome tento! Larga logo esse livro e vai lá.

Quase se arrastando Joana foi.

Seu Tomás a lembrava do Prof. Snape do Harry Potter. Era isso que ele era. O seu próprio Prof. Snape, inclusive no asco que ela sentia. Tão branco que parecia a morte, a pele toda esburacada, o cabelo bem sujo e preto de Gressin 2000, os olhos acinzentados dentro dos óculos oleosos o velho não era uma vista agradável aos olhos.

Ele precisava de ajuda para limpar, encaixotar e guardar umas tranqueiras de teatro no porão e ia pagar R$50 pela tarde de trabalho. 50 reais é uma miséria ela pensou, mas se fosse pra fazer sua mãe ficar quieta por algumas horas valeria a pena.

Querendo terminar logo para voltar para Lucy e suas aventuras nas Areias do Tempo, começou. Limpou cabeças de manequim, botões gigantes de biscuit, uma caixa velha e suja embrulhada como se fosse um livro (o que ela achou bizarro, afinal, porque não usar um livro logo?), patas de monstros imaginários, figurinos de super heróis desconhecidos, uns 10 tipos de chapéus incluindo um de cabeça de galinha e um livro extremamente grande de Ashtanga Yoga. Joana riu com a imagem do seu Tomás fazendo yoga em sua mente.

Seu Tomás tinha sido alguém importante um dia. Achou várias fotos dele com pessoas que pareciam importantes também e viu algo que nunca tinha visto em sua vida. O seu Tomás sorrindo. Na foto até parecia bonito, mas só de pensar nas rugas que a cara dele faria hoje em dia se sorrisse, Joana teve calafrios. Ainda bem que ele nunca o fazia.

- Seu Tomás quer guardar essas fotos mesmo? Não quer por num porta retratos?

- Não quero não Joana. Essa vida de teatro era uma mentira, por isso eu estou mudando tudo pro porão. Cansei de viver no passado e de lembranças. Por muitos anos achei que era realmente alguém que fizesse a diferença, mas depois percebi que o pedestal que me colocavam era algo que me impedia de ver a realidade da vida. Por conta disso perdi o amor da minha mulher, que Deus a tenha e dos meus filhos que só falam comigo para pedir dinheiro... Não, não quero mais saber de nada disso.

Dando de ombros Joana jogou as fotos dentro da caixa. Quando terminou de guardar tudo, pegou o dinheiro e foi pra casa.

No dia seguinte lendo na varanda de sua casa Joana viu quando o taxi parou na frente da casa do Seu Tomás. Viu quando ele saiu da casa com grandes malas, todo arrumado e limpo, com cabelo cortado embaixo de um bonito chapéu Panamá. Nem parecia ele, veja só!

Com um grande sorriso (ela tinha razão, eram muitas as rugas) ele contemplou a rua e o bairro onde morava, depois entrou no taxi e foi-se. Nunca mais voltou. Uns dizem que ele foi morar na Europa e acabou morrendo por comer queijo estragado. Outros dizem que mudou pro interior, onde comprou um sitio e plantou rucula até ter um problema de coluna e morrer.

De qualquer maneira Joana guardou até o fim da vida a moral da história do seu Tomás: independente do que os outros digam, nunca é tarde demais para por os pés no chão e lidar com a realidade, mesmo que isso signifique admitir que não se é tão importante quanto pensava ser.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Conversas de Elevador I

- Vai no 4?
- Vou, como você sabe?
- Ah, acho que já te vi lá. Trabalhava no 42, na casa daquele senhor que morreu.
- Jura? Não acredito! Foi você a empregada que achou o corpo?
- Foi eu mesma.
- Meu Deus! E ai?
- Afe menina, cheguei lá ele tava jogado já tava até cheirando sabe? E o cachorrinho coitado, morrendo de fome.
- Meu Deus! Que situação!
- É verdade, até hoje eu fico pensando naquilo sabe? Principalmente na hora de ir dormir.
- Aii, coitadinha! Vem cá me dá um abraço!
* Abraço *
- Obrigada viu menina, qualquer coisa liga no 51 que eu to trabalhando lá agora.
- Olha, que boa idéia, podexá que eu ligo sim. Você também pode ligar.
- Obrigada.
- Tchau, boa tarde.
- Tchau.


* os números dos apartamentos foram trocados para preservar a identidade das pessoas.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Barraca de Churros.



Andava pela rua sem saber direito onde estava. Já tinha visto aquele prédio, mas podia ser também outro, afinal eram todos muito parecidos. Tinha uma Casa do Pão de Queijo na esquina de onde tinha combinado de encontrar sua irmã, mas onde ela estava agora não tinha uma Casa do Pão de Queijo.

- E agora?

Apesar de perdida ela se sentia tranquila, afinal essa não era a primeira vez que isso acontecia, tinha certeza que sua irmã a acharia. 

Ah sim, teve aquela vez na praia que ela tinha se perdido por seguir aquele pequeno e engraçado siri, Senhor Michel era seu nome, que ao mesmo tempo tentava mordê-la e corria de medo dela. Ela riu de se lembrar do Senhor Michel e ficou se perguntando como será que ele andava.

Andou mais uma quadra pra frente e sem sinal de sua irmã, viu uma grande barraca de churros. Imediatamente seu estômago roncou alto e ela ficou com vergonha do olhar lançado pela velha perua que passava. Assim que a velha se virou, a menina mostrou a lingua com vontade. Ela era assim, não levava desaforo pra casa.

De mansinho foi chegando perto da barraca de churros e se concentrou. Mirando bem o moço do outro lado do balcão, caprichou no seu olhar de gatinho abandonado. Já tinha funcionado antes, não custava tentar.

- Que foi moleca? Tá olhando o que?!
- Nada ué, não pode olhar?
- Depende, se for por causa da beleza do papai aqui até pode, mas se for ficar olhando pra minha testa pode rapar fora.
- Olha é mesmo, sua testa é do tamanho da lousa lá da escola! - e apontando riu alto como as crianças fazem. - Dá até pra escrever 'inconstitucionalissimamente' e riu mais alto ainda!
- Rapa daqui moleca ou te dou um coro!

Sem entender direito o que ele tinha dito, parou de rir e ficou pensativa. Olhando para o dono da barraca de churros pensou um pouco e depois com o rosto brilhando como só as crianças sabem fazer, sorriu e disse:
- Um coro?! Mas eu adoro coros! Vamos lá você canta a nota Dó e eu faço a Sol, dai só precisamos de alguém que faça um Mi e pronto! 1, 2, 3, 4 SOOOOOOOOOOOOOOOLLLLL!

O dono da barraca de churros deu um pulo de susto da gritaria da menina e de vergonha foi ficando vermelho, vermelho... parecia até seu primo André quando tomava sol, no primeiro dia ficava rosa, depois ia escurecendo, escurecendo e ficava logo vermelho que nem lápis de cor. 
Querendo ajudar, ela correu pra trás da barraca, encheu um copo com água e disse:
- Rápido, toma água, senão sua cabeça vai explodir!
Confuso com a rapidez da menina o dono da barraca de churros rapidamente pegou o copo e numa golada pos tudo pra dentro.
Com uma fumaça cinza saindo de suas orelhas ele perguntou:
- O que aconteceu?
- Você ia explodir, mas agora não vai mais, pode ficar tranquilo.
- Como você sabe?
- Ah, já vi na televisão. 
- Ah...

E ficaram lá, sentados um do lado do outro atrás da barraca de churros, a menina balançando pra lá e pra cá suas perninhas e seus pézinhos, o dono da barraca de churros ainda sem entender olhando o copo em suas mãos.
- Então. Você está aqui sozinha?
- To sim, mas minha irmã vem me buscar.
- Legal...
- É...
- Você gosta de bolo? Posso te dar um...
- Prefiro churros.
Irritado, o dono da barraca de churros sentiu aquele calor bem na boca do estômago, aquela raiva vindo correndo, invadindo seu sistema. Lembrou-se daquele menino mimado com chapéu de helicóptero que tanto o irritava na vila onde morava. Mas dessa vez jurou para si mesmo que não ia mais se incomodar com aquela menininha petulante.
- Tem dinheiro ai? Se tiver te dou um churros. É só cinco reais.
- Nossa! 5 reais?? Que caro, nem tem cara de bom esse churros ai, nem queria mesmo.
Respirou fundo pra não perder a calma novamente, já estava tendo pensamentos sórdidos com aquela garotinha. Se ela desse mais uma daquelas atravessadas mal-educadas iria virar recheio de churros. 

- Ah é, não quer? Então tá bom, não vai se incomodar então se eu comer um de brigadeiro com doce de leite né?
- Não, não -  Ela disse com a boca já cheia de água. Ahh, porque tinha que ser assim tão orgulhosa, que saco! Se tivesse dito que queria o churros estaria ali sentadinha, devorando tranquilamente um delicioso churros, se lambusando de brigadeiro e doce de leite enquanto sua irmã a procurava.

Ele foi montando o churros beeem devagar, caprichando beeem no recheio, deixando um monte de sobras de brigadeiro e doce de leite em cima do churros e ele via o olhar minguado da menininha enquanto elaborava ainda mais o churros, colocando M&Ms em cima, balinhas de goma, polvilhado de castanhas de caju e cobertura de marshmallow.

Ele estava se divertindo muito em fazer a menina sofrer, gargalhando por dentro mesmo. Até perceber que ele teria que comer aquela gororoba doce pra caramba que ele mesmo montou. E droga, aquele churros com aquele monte de coisa custaria no mínimo uns sete reais e setenta e cinco centavos. E droga, ele era diabético! Por isso mesmo que tinha esse emprego, por isso mesmo que ganhava dinheiro assim! Pensando rápido e se espreguiçando como todos os homens fazem quando não sabem direito como sair de uma situação, disse:

- Sabe que eu perdi a vontade?
- Ah é?
- Acho que sim.
- Então joga fora...
Chocado, o dono da barraca de churros olhou pra menina num movimento brusco e com os olhos arregalados o maxilar dele caiu lá no chão.
- Cuidado moço! Vai perder a dentadura!
E a dentadura do dono da barraca de churros saiu rolando e foi parar no meio da Avendia Movimentada. Antes que o dono da barraca de churros percebesse o que estava acontecendo, a menininha correu atrás da dentadura dele gritando 'Eu salvo, eu salvo!'. Vindo do nada um ônibus de viagem escrito 'Junqueirópolis - Especial' freou rápido mas sem conseguir parar bateu na menina que voou longe, aterizando num gramado do outro lado da avenida.

E assim fez-se o caos, pessoas correndo de lá pra cá, o motorista do ônibus chorando compulsivamente, mulheres gritando 'coitadinha, coitadinha', os carros parados todos tortos na Avenida agora não tão Movimentada e se ouvia até mesmo um Pai Nosso entoado ao fundo por um grupo de evangélicos que passava por ali.

Ainda com a expressão de choque, o coração do dono da barraca de churros se apertou e num segundo ele reviveu aquela tarde ao lado daquela doce e meiga menina, que tinha impedido sua cabeça de explodir e que agora morrera por tentar salvar sua dentadura. Era uma dor que ele nunca sentira antes, como se todos os musculos do seu corpo estivessem paralisados, mas ao mesmo tempo tensos e sem sentido.

Ao mesmo tempo que percebeu que não conseguia mais respirar, ouviu gritinhos de viva e sob uma névoa que agora cobria seus olhos viu a menininha sair do meio da multidão segurando sua dentadura intacta em uma das mãos e na outra uma pequenina caixinha laranja esmagada. Seria possível que aquele minusculo ser havia amortecido aquela queda?

Deitado no chão sem conseguir controlar a dor no peito o homem só conseguiu ouvir uma coisa antes de apagar. Era a voz da menina dizendo ao fundo com uma voz risonha 'Este é o Senhor Michel'.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Aventuras no Reino Mágico.

Descobriu-se liberto de uma hora pra outra. Assim, sem mais nem menos.  Saiu correndo pela pequena porta de vidro que o separava do resto do reino. Se sentia bem, solto, feliz... o coração acelerado de tanta emoção. 

Quando chegou no chão de madeira não conseguia parar de olhar! Olhava para todos os lados, e já não sabia o que achava mais bonito, se era a montanha de puffs ou a árvore com flores em forma de CDs. Cheirava cada pequeno novo objeto. O reino mágico era assim, cheio de novidades sempre! Era o que mais gostava em viver ali, apesar de ficar muito tempo preso nas terras geladas.

Assim que viu a porta de madeira aberta, correu pro pequeno quarto para ver se a cachoeira estava ligada. Não, não estava - que droga! Adorava a cachoeira -  mas ainda existia a lagoa! Bebeu rapida e avidamente aquela água com gosto de bolhas que tanto gostava. 

Quando terminou de beber, virou-se em direção a porta e de repente - Tcharam! - lá estava ela. 
A inimiga. A outra. A criatura mais vil e ordinária que conhecia era também a criatura mais adorável.

Não conseguia evitar, queria odiá-la, mas a verdade é que a amava demais. Sem conseguir conter a emoção do encontro, correu em sua direção para abraçá-la e centímentros antes de tocar seu pequenino corpo eis que ela urrou - 'NÃO! Nunca, jamais, se aproxime de mim' com aquela voz esganiçada que apesar de feia, ele amava muito. Depois de uma troca de olhares intensos, ele por amor, ela por horror, ela saiu, rebolando pra lá e pra cá com seu charmoso rabo.

'Ah, é duro viver assim sem ser correspondido' suspirou. Cansado e deprimido, não queria mais viver naquele mundo. Foi chegando pertinho da gigante que era dona daquelas terras onde morava com cuidado para não irritá-la. 'Pelo menos ela me quer... as vezes'.

Aninhando-se no quentinho ao lado da coxa da gigante, lentamente seus pequenos olhos se fecharam.
E ele dormiu, sonhando sonhos que apenas gatos sonham.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Auto-Boicote

Dentro da sua cabeça ela gritava desesperada. Gritava tão alto que não conseguia nem ouvir os outros pensamentos que pediam calma por detrás dos gritos.


A sua frente, o pequeno bloco de folhas sentado calmamente sobre a mesa. 

Prova de final de ano. 
'A' prova de final de ano. 
A última prova que ela faria como estudante do último ano do Ensino Médio. 


Tantas coisas dependiam dessa prova... Sua faculdade, sua profissão, sua marca definitiva no mundo, seu futuro marido, seus filhos, sua casa com a charmosa cerquinha branca, seu primeiro carro simplesinho, seu segundo carro já mais caro, sua viagem para Amsterdam para comemorar os 30 anos em alta porraloquice... quem sabe até um Nobel da Paz! Tudo em cima daquela mesa.


'Ahhh, por que?! Por que agora?!' Ela se perguntava.

O que ela mais temia havia finalmente acontecido. Todos aqueles anos nunca acontecera, mas agora lá estava ele. O temido branco. Um grande e gordo branco preenchendo cada canto de sua mente, fazendo com que a matéria mais ou menos aprendida fugisse correndo para seu subconsciente, onde ela não poderia encontrá-la.

'Por que não fiz aquela cola?! Por que não estudei mais?! Por que?!'

Se você olhasse para ela sentada naquela cadeira, poderia vê-los. Os gritos mentais de auto-cobrança, os gritos que ela sabia que ia ouvir de seus pais quando falhasse, o grito de decepção quando sua melhor amiga soubesse que não iriam para a faculdade juntas, o grito mental que ela daria quando nada mais restasse, a não ser aceitar aquele emprego que ela odiaria até o final de seus dias, quando finalmente morresse de desgosto, sem familia, sem carreira, sem viagens, sem carros, sem amigos, sem prêmio Nobel... nada.  

Na-da.


Suando frio e com um pequeno vulcão de formando bem no meio do seu estômago, ela levantou a mão e chamou a professora.

'Não estou me sentindo bem, posso ir ao banh...?!'

Antes que pudesse terminar, ela sentiu aquele calor sólido subindo pelo seu peito, rasgando  bruscamente seu pescoço, e com lágrimas saindo pelos olhos ela vomitou todo seu almoço, junto com o seu nervoso, no colo da professora que gritou 'Ai que nojo! Odeio feijão com arroz!'

Ela respirou fundo e limpou delicadamente os lábios. 
Percebeu então que os gritos haviam parado e imediatamente se sentiu muito melhor.


sexta-feira, 27 de maio de 2011

A História de um Jovem Morango

O Jovem Morango acordou, empurrando docemente seu irmão que dormia para poder se levantar.
- Será hoje o dia?! - pensou, olhando para suas pequenas sementes pretas distribuidas ao longo do corpo.
- Nunca poderão se tornar novos morangos, coitadinhas - disse o Sr. Morango, pai de todos, rindo ao ler os pensamentos do Jovem Morango.
- Sr. Morango, não quero ser comido!
- Ah meu Jovem, faz parte do ciclo da vida. Eles nos comem para poderem viver e depois eles morrem para poder alimentar os vermes que habitam esse mundo... faz parte!
- Mas não é justo, não quero morrer, ainda há tanto para se viver, tanto para se ver!
- Pare de choramingar meu Jovem Morango, melhor ser comido ainda na flor da idade como você do que ser colhido depois do tempo e ficar como eu, meio mole e soltando essa água nojenta. Sabe como essa minha incontinência é constrangedora?!

Nessa hora, o pequeno terremoto já conhecido! Estavam abrindo a geladeira. Todos os morangos ficaram alertas, seriam eles os escolhidos?!
Sim, eram eles. O tupperware foi bruscamente colocado na pia, do lado de uma garrafa de vodka. 
- Oh não! - exclamaram em coro! O pior dos destinos nos aguarda!
Foi a última coisa coerente que se ouviu, depois disso apenas gritos alucinantes e choros de Morangos Mulheres e Morangos Bebes sendo amassados com uma dose considerável de açúcar e vodka em 2 copos grandes.
Paralizado de medo dentro do tupperware, o Jovem Morango viu o Sr. Morango ser agarrado e jogado no copo. Ele estava sorrindo! Velho maluco... - o Jovem Morango pensou. Olhando aquela cena, um pensamento arrebatador o invadiu... o Sr. Morango estava em paz, serviria seu propósito na vida. 

Com a coragem desse pensamento, agora transformado em sentimento, o Jovem Morango deu um passo a frente. Quase que imediatamente foi erguido no ar, e observado bem de pertinho por grandes olhos castanhos...
- O que foi que eu fiz? Ele pensou. Talvez por ser tão bonito e vermelho, tivesse um destino diferente dos seus irmãos, quem sabe até uma última viagem...
Sua última lembrança foram aqueles dentes enormes se aproximando de sua pele e rasgando seu corpo macio. 
Seu desejo havia sido atendido.