segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A História do Seu Tomás

-... e por que afinal você já tem 17 anos e precisa logo arrumar um emprego, porque eu já não aguento mais você andando pra lá e pra cá dentro de casa, ainda mais nesse período de férias, fica me cansando toda, não faz nada, não ajuda, não põe dinheiro dentro de casa e também não põe a mão em louça, nem na cama...

Essa era sua mãe. Falava sem parar, independente se você ouvia ou não. Ela já estava acostumada com esse falatório todo e de vez em quando levantava os olhos do seu exemplar de Areias do Tempo de Sidney Sheldon e soltava um 'hum hum' só pra que sua mãe notasse que ela ainda estava lá. 

Nem se preocupava com essa coisa de arrumar emprego, pois o que queria mesmo era entrar na faculdade. Biblioteconomia era sua meta. Poucos candidatos por vaga, um trabalho sem grandes estresses, podia ler o tanto de livros que quisesse... parecia combinar perfeitamente com sua personalidade.
TRIM TRIM. Sua mãe ainda falando correu ao telefone para atender. Mudou de assunto e continuou falando o mesmo tanto com a pessoa do outro lado. Ela sempre se perguntava como sua mãe não engasgava com tantas palavras. 

- Hmm, hmm. É mesmo? Tá precisando? Ahh, pode falar que a Joana vai. Vai, vai sim, tá aqui de férias sem fazer nada, pode falar pro seu Tomás que ela vai sim. Tá bom, um abraço ai pra você e sua família. Tchau.

- Joana larga esse livro que você vai lá no seu Tomás fazer um servicinho pra ele. 
- Mas mãe, to estudando...
- Já estudou demais, tá na hora de trabalhar um pouquinho.
- Mas mãe, o seu Tomás deve ter uns 200 anos e parece uma múmia, tenho medo dele.
- Não interessa, dinheiro é dinheiro e a gente tá precisando. 
- Mas mãe é pra fazer o que?
- Arre menina, tome tento! Larga logo esse livro e vai lá.

Quase se arrastando Joana foi.

Seu Tomás a lembrava do Prof. Snape do Harry Potter. Era isso que ele era. O seu próprio Prof. Snape, inclusive no asco que ela sentia. Tão branco que parecia a morte, a pele toda esburacada, o cabelo bem sujo e preto de Gressin 2000, os olhos acinzentados dentro dos óculos oleosos o velho não era uma vista agradável aos olhos.

Ele precisava de ajuda para limpar, encaixotar e guardar umas tranqueiras de teatro no porão e ia pagar R$50 pela tarde de trabalho. 50 reais é uma miséria ela pensou, mas se fosse pra fazer sua mãe ficar quieta por algumas horas valeria a pena.

Querendo terminar logo para voltar para Lucy e suas aventuras nas Areias do Tempo, começou. Limpou cabeças de manequim, botões gigantes de biscuit, uma caixa velha e suja embrulhada como se fosse um livro (o que ela achou bizarro, afinal, porque não usar um livro logo?), patas de monstros imaginários, figurinos de super heróis desconhecidos, uns 10 tipos de chapéus incluindo um de cabeça de galinha e um livro extremamente grande de Ashtanga Yoga. Joana riu com a imagem do seu Tomás fazendo yoga em sua mente.

Seu Tomás tinha sido alguém importante um dia. Achou várias fotos dele com pessoas que pareciam importantes também e viu algo que nunca tinha visto em sua vida. O seu Tomás sorrindo. Na foto até parecia bonito, mas só de pensar nas rugas que a cara dele faria hoje em dia se sorrisse, Joana teve calafrios. Ainda bem que ele nunca o fazia.

- Seu Tomás quer guardar essas fotos mesmo? Não quer por num porta retratos?

- Não quero não Joana. Essa vida de teatro era uma mentira, por isso eu estou mudando tudo pro porão. Cansei de viver no passado e de lembranças. Por muitos anos achei que era realmente alguém que fizesse a diferença, mas depois percebi que o pedestal que me colocavam era algo que me impedia de ver a realidade da vida. Por conta disso perdi o amor da minha mulher, que Deus a tenha e dos meus filhos que só falam comigo para pedir dinheiro... Não, não quero mais saber de nada disso.

Dando de ombros Joana jogou as fotos dentro da caixa. Quando terminou de guardar tudo, pegou o dinheiro e foi pra casa.

No dia seguinte lendo na varanda de sua casa Joana viu quando o taxi parou na frente da casa do Seu Tomás. Viu quando ele saiu da casa com grandes malas, todo arrumado e limpo, com cabelo cortado embaixo de um bonito chapéu Panamá. Nem parecia ele, veja só!

Com um grande sorriso (ela tinha razão, eram muitas as rugas) ele contemplou a rua e o bairro onde morava, depois entrou no taxi e foi-se. Nunca mais voltou. Uns dizem que ele foi morar na Europa e acabou morrendo por comer queijo estragado. Outros dizem que mudou pro interior, onde comprou um sitio e plantou rucula até ter um problema de coluna e morrer.

De qualquer maneira Joana guardou até o fim da vida a moral da história do seu Tomás: independente do que os outros digam, nunca é tarde demais para por os pés no chão e lidar com a realidade, mesmo que isso signifique admitir que não se é tão importante quanto pensava ser.

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