quarta-feira, 29 de junho de 2011

Conversas de Elevador I

- Vai no 4?
- Vou, como você sabe?
- Ah, acho que já te vi lá. Trabalhava no 42, na casa daquele senhor que morreu.
- Jura? Não acredito! Foi você a empregada que achou o corpo?
- Foi eu mesma.
- Meu Deus! E ai?
- Afe menina, cheguei lá ele tava jogado já tava até cheirando sabe? E o cachorrinho coitado, morrendo de fome.
- Meu Deus! Que situação!
- É verdade, até hoje eu fico pensando naquilo sabe? Principalmente na hora de ir dormir.
- Aii, coitadinha! Vem cá me dá um abraço!
* Abraço *
- Obrigada viu menina, qualquer coisa liga no 51 que eu to trabalhando lá agora.
- Olha, que boa idéia, podexá que eu ligo sim. Você também pode ligar.
- Obrigada.
- Tchau, boa tarde.
- Tchau.


* os números dos apartamentos foram trocados para preservar a identidade das pessoas.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Barraca de Churros.



Andava pela rua sem saber direito onde estava. Já tinha visto aquele prédio, mas podia ser também outro, afinal eram todos muito parecidos. Tinha uma Casa do Pão de Queijo na esquina de onde tinha combinado de encontrar sua irmã, mas onde ela estava agora não tinha uma Casa do Pão de Queijo.

- E agora?

Apesar de perdida ela se sentia tranquila, afinal essa não era a primeira vez que isso acontecia, tinha certeza que sua irmã a acharia. 

Ah sim, teve aquela vez na praia que ela tinha se perdido por seguir aquele pequeno e engraçado siri, Senhor Michel era seu nome, que ao mesmo tempo tentava mordê-la e corria de medo dela. Ela riu de se lembrar do Senhor Michel e ficou se perguntando como será que ele andava.

Andou mais uma quadra pra frente e sem sinal de sua irmã, viu uma grande barraca de churros. Imediatamente seu estômago roncou alto e ela ficou com vergonha do olhar lançado pela velha perua que passava. Assim que a velha se virou, a menina mostrou a lingua com vontade. Ela era assim, não levava desaforo pra casa.

De mansinho foi chegando perto da barraca de churros e se concentrou. Mirando bem o moço do outro lado do balcão, caprichou no seu olhar de gatinho abandonado. Já tinha funcionado antes, não custava tentar.

- Que foi moleca? Tá olhando o que?!
- Nada ué, não pode olhar?
- Depende, se for por causa da beleza do papai aqui até pode, mas se for ficar olhando pra minha testa pode rapar fora.
- Olha é mesmo, sua testa é do tamanho da lousa lá da escola! - e apontando riu alto como as crianças fazem. - Dá até pra escrever 'inconstitucionalissimamente' e riu mais alto ainda!
- Rapa daqui moleca ou te dou um coro!

Sem entender direito o que ele tinha dito, parou de rir e ficou pensativa. Olhando para o dono da barraca de churros pensou um pouco e depois com o rosto brilhando como só as crianças sabem fazer, sorriu e disse:
- Um coro?! Mas eu adoro coros! Vamos lá você canta a nota Dó e eu faço a Sol, dai só precisamos de alguém que faça um Mi e pronto! 1, 2, 3, 4 SOOOOOOOOOOOOOOOLLLLL!

O dono da barraca de churros deu um pulo de susto da gritaria da menina e de vergonha foi ficando vermelho, vermelho... parecia até seu primo André quando tomava sol, no primeiro dia ficava rosa, depois ia escurecendo, escurecendo e ficava logo vermelho que nem lápis de cor. 
Querendo ajudar, ela correu pra trás da barraca, encheu um copo com água e disse:
- Rápido, toma água, senão sua cabeça vai explodir!
Confuso com a rapidez da menina o dono da barraca de churros rapidamente pegou o copo e numa golada pos tudo pra dentro.
Com uma fumaça cinza saindo de suas orelhas ele perguntou:
- O que aconteceu?
- Você ia explodir, mas agora não vai mais, pode ficar tranquilo.
- Como você sabe?
- Ah, já vi na televisão. 
- Ah...

E ficaram lá, sentados um do lado do outro atrás da barraca de churros, a menina balançando pra lá e pra cá suas perninhas e seus pézinhos, o dono da barraca de churros ainda sem entender olhando o copo em suas mãos.
- Então. Você está aqui sozinha?
- To sim, mas minha irmã vem me buscar.
- Legal...
- É...
- Você gosta de bolo? Posso te dar um...
- Prefiro churros.
Irritado, o dono da barraca de churros sentiu aquele calor bem na boca do estômago, aquela raiva vindo correndo, invadindo seu sistema. Lembrou-se daquele menino mimado com chapéu de helicóptero que tanto o irritava na vila onde morava. Mas dessa vez jurou para si mesmo que não ia mais se incomodar com aquela menininha petulante.
- Tem dinheiro ai? Se tiver te dou um churros. É só cinco reais.
- Nossa! 5 reais?? Que caro, nem tem cara de bom esse churros ai, nem queria mesmo.
Respirou fundo pra não perder a calma novamente, já estava tendo pensamentos sórdidos com aquela garotinha. Se ela desse mais uma daquelas atravessadas mal-educadas iria virar recheio de churros. 

- Ah é, não quer? Então tá bom, não vai se incomodar então se eu comer um de brigadeiro com doce de leite né?
- Não, não -  Ela disse com a boca já cheia de água. Ahh, porque tinha que ser assim tão orgulhosa, que saco! Se tivesse dito que queria o churros estaria ali sentadinha, devorando tranquilamente um delicioso churros, se lambusando de brigadeiro e doce de leite enquanto sua irmã a procurava.

Ele foi montando o churros beeem devagar, caprichando beeem no recheio, deixando um monte de sobras de brigadeiro e doce de leite em cima do churros e ele via o olhar minguado da menininha enquanto elaborava ainda mais o churros, colocando M&Ms em cima, balinhas de goma, polvilhado de castanhas de caju e cobertura de marshmallow.

Ele estava se divertindo muito em fazer a menina sofrer, gargalhando por dentro mesmo. Até perceber que ele teria que comer aquela gororoba doce pra caramba que ele mesmo montou. E droga, aquele churros com aquele monte de coisa custaria no mínimo uns sete reais e setenta e cinco centavos. E droga, ele era diabético! Por isso mesmo que tinha esse emprego, por isso mesmo que ganhava dinheiro assim! Pensando rápido e se espreguiçando como todos os homens fazem quando não sabem direito como sair de uma situação, disse:

- Sabe que eu perdi a vontade?
- Ah é?
- Acho que sim.
- Então joga fora...
Chocado, o dono da barraca de churros olhou pra menina num movimento brusco e com os olhos arregalados o maxilar dele caiu lá no chão.
- Cuidado moço! Vai perder a dentadura!
E a dentadura do dono da barraca de churros saiu rolando e foi parar no meio da Avendia Movimentada. Antes que o dono da barraca de churros percebesse o que estava acontecendo, a menininha correu atrás da dentadura dele gritando 'Eu salvo, eu salvo!'. Vindo do nada um ônibus de viagem escrito 'Junqueirópolis - Especial' freou rápido mas sem conseguir parar bateu na menina que voou longe, aterizando num gramado do outro lado da avenida.

E assim fez-se o caos, pessoas correndo de lá pra cá, o motorista do ônibus chorando compulsivamente, mulheres gritando 'coitadinha, coitadinha', os carros parados todos tortos na Avenida agora não tão Movimentada e se ouvia até mesmo um Pai Nosso entoado ao fundo por um grupo de evangélicos que passava por ali.

Ainda com a expressão de choque, o coração do dono da barraca de churros se apertou e num segundo ele reviveu aquela tarde ao lado daquela doce e meiga menina, que tinha impedido sua cabeça de explodir e que agora morrera por tentar salvar sua dentadura. Era uma dor que ele nunca sentira antes, como se todos os musculos do seu corpo estivessem paralisados, mas ao mesmo tempo tensos e sem sentido.

Ao mesmo tempo que percebeu que não conseguia mais respirar, ouviu gritinhos de viva e sob uma névoa que agora cobria seus olhos viu a menininha sair do meio da multidão segurando sua dentadura intacta em uma das mãos e na outra uma pequenina caixinha laranja esmagada. Seria possível que aquele minusculo ser havia amortecido aquela queda?

Deitado no chão sem conseguir controlar a dor no peito o homem só conseguiu ouvir uma coisa antes de apagar. Era a voz da menina dizendo ao fundo com uma voz risonha 'Este é o Senhor Michel'.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Aventuras no Reino Mágico.

Descobriu-se liberto de uma hora pra outra. Assim, sem mais nem menos.  Saiu correndo pela pequena porta de vidro que o separava do resto do reino. Se sentia bem, solto, feliz... o coração acelerado de tanta emoção. 

Quando chegou no chão de madeira não conseguia parar de olhar! Olhava para todos os lados, e já não sabia o que achava mais bonito, se era a montanha de puffs ou a árvore com flores em forma de CDs. Cheirava cada pequeno novo objeto. O reino mágico era assim, cheio de novidades sempre! Era o que mais gostava em viver ali, apesar de ficar muito tempo preso nas terras geladas.

Assim que viu a porta de madeira aberta, correu pro pequeno quarto para ver se a cachoeira estava ligada. Não, não estava - que droga! Adorava a cachoeira -  mas ainda existia a lagoa! Bebeu rapida e avidamente aquela água com gosto de bolhas que tanto gostava. 

Quando terminou de beber, virou-se em direção a porta e de repente - Tcharam! - lá estava ela. 
A inimiga. A outra. A criatura mais vil e ordinária que conhecia era também a criatura mais adorável.

Não conseguia evitar, queria odiá-la, mas a verdade é que a amava demais. Sem conseguir conter a emoção do encontro, correu em sua direção para abraçá-la e centímentros antes de tocar seu pequenino corpo eis que ela urrou - 'NÃO! Nunca, jamais, se aproxime de mim' com aquela voz esganiçada que apesar de feia, ele amava muito. Depois de uma troca de olhares intensos, ele por amor, ela por horror, ela saiu, rebolando pra lá e pra cá com seu charmoso rabo.

'Ah, é duro viver assim sem ser correspondido' suspirou. Cansado e deprimido, não queria mais viver naquele mundo. Foi chegando pertinho da gigante que era dona daquelas terras onde morava com cuidado para não irritá-la. 'Pelo menos ela me quer... as vezes'.

Aninhando-se no quentinho ao lado da coxa da gigante, lentamente seus pequenos olhos se fecharam.
E ele dormiu, sonhando sonhos que apenas gatos sonham.